'Cosmópolis', obra-prima anunciada

No ano em que a Croisette passou dia após dia falando de crise econômica e do colapso financeiro de nações vizinhas à França, "Cosmópolis" bateu na tela do Palácio dos Festivais como um antibiótico composto de lucidez.


Bastante aplaudido, mas também muito repudiado, o novo longa-metragem do canadense David Cronenberg repetiu o que aconteceu com todos os grandes filmes desta edição: rachou opiniões.

Mas não há dúvida de que o realizador de "A mosca" está no apogeu de sua forma, goste-se ou não dos riscos que ele corre. E aqui ele incorreu numa ousadia com a qual o cinema não lida bem: fazer da palavra sua força motriz. Construindo sequências de looooongos falatórios, sempre reflexivos sobre a decadência de um sistema econômico no qual o capitalismo é ao mesmo tempo vírus e vacina, ruim no sustentáculo.

A partir do romance homônimo de Dom Delillo, Cronenberg constrói seu olhar sobre uma Nova York pós-11 de Setembro do interior de uma limusine branca. O carro vira uma espécie de realidade paralela com direito a aparelhos médicos, sistema de telecomunicação, frigobar, divã e cama, onde um bilionário de 28 anos comanda seu império. O ricaço em questão é vivido por Robert Pattinson, o vampiro da série "a saga Crespúsculo", que aqui demonstra sua maturidade como ator.

Usando frases inteiras do livro de Delillo, "Cosmópolis" traz a assinatura pessoal de Cronenberg em sua obsessão por entender o corpo humano como o centro de toda e qualquer dramaturgia sobre o mundo contemporâneo.

A sequência em que o personagem de Pattinson se submete a um exame de próstata feito em sua limusine em movimento, enquanto exalta os encantos sexuais de uma mulher é antológica. E a participação de Juliette Binoche oferecendo o melhor de sua derrière para Patinson vai ficar na memória dos cinéfilos para além de Cannes.

Indigesto demais para palmas e prêmios leves, "Cosmópolis" veio a Cannes para se candidatar à eternidade. Cronenberg sairá daqui com a certeza de ter esquadrinhado a doença econômica do continente que o produziu a partir do português Paulo Branco, representante da nação lusa, uma das que mais perderam com a crise.

Sinal dos tempos, sinal de alerta, sinal de mestre.

fonte:oglobo

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