Corações Perdidos comprova que Kristen Stewart tem talento


Pouca gente conhece Jake Scott. Muita gente conhece Kristen Stewart. Juntos – ele, diretor e ela, atriz – comprovam que talento nem sempre é nato, mas que, independente do grau de exposição de cada um, pode ser lapidado e reconhecido. “Corações Perdidos” instiga a curiosidade por possuir dois nomes de peso – mas de medidas diferentes – em comprovado desafio criativo.

Jake Scott carrega um sobrenome imponente em Hollywood – é filho do diretor Ridley Scott (três vezes indicado ao Oscar) – e, ao escolher o mesmo caminho do pai, cultivou um hiato de mais de dez anos entre os lançamentos de seus dois únicos filmes. Sua estreia se deu em 1999 com “Plunkett & Macleane”, uma aventura medieval conduzida por trilha sonora eletrônica que foi massacrada pela crítica e ignorada pelo público. Apesar dos videoclipes famosos que dirigiu para bandas como REM, U2 e Radiohead, seu nome nunca foi popular.


Já Kristen Stewart dispensa apresentações, graças ao seu papel à frente da “Saga Crepúsculo”, franquia milionária que a colocou em evidência principalmente entre o público teen. Aqui, a atriz tem a chance de se despir da apática protagonista da série romântica para se expor como uma dançarina de strip tease sem qualquer ideal de futuro a não ser a prostituição – o que poderá ser um choque para sua plateia cativa.

O longa conta a história de Doug Riley (James Gandolfini) e Lois (Melissa Leo), um casal que mantém uma melancólica rotina de silêncio e distanciamento após a morte de sua filha adolescente em um acidente de carro. Enquanto Doug mantem um caso com uma garçonete, Lois se fecha em casa e evita qualquer contato com o mundo externo – sintomas claros de quem desenvolve agorafobia.


Durante uma viagem de negócios, Doug conhece Mallory, uma stripper que vive em condições miseráveis e luta para sobreviver em meio ao caos de uma vida sem rumo. Ao estender a mão à garota, Doug instintivamente projeta nela sua paternidade e, ao decidir ajudá-la, se dá conta de que está lidando – talvez pela primeira vez – com a morte da filha. Como um cliente não convencional, Doug paga pela companhia de Mallory e se instala em sua casa, auxiliando-a a se reerguer enquanto tenta indicar-lhe os caminhos certos para seu crescimento.

A força desta adoção involuntária faz com que Lois saia de casa pela primeira vez em anos e vá de encontro ao marido. A família Riley, resignada ao desequilíbrio nutrido pelo convívio com o adultério, a depressão e algumas mentiras, se vê agora diante de um grande desafio: o diálogo. Maior ainda que a presença de uma terceira pessoa entre o casal, é a dificuldade em manter-se sinceros uns aos outros quanto às suas reais motivações.


Juntos, eles irão se firmar como membros de uma família desajustada onde se força o afeto, e conflitos são gerados a cada frase trocada. O roteiro original, escrito com esmero por Ken Hixon, proporciona diálogos eloquentes que resultam em cenas memoráveis. Scott encontra sobriedade suficiente para manter seus personagens em um tom sereno e realista, promovendo pequenos momentos para seu elenco brilhar.

Brilho, aliás, é o que não falta em “Corações Perdidos”. James Gandolfini, célebre pelo seu personagem Tony em “Familia Soprano”, entrega uma interpretação fascinante. Há uma seriedade e uma tristeza em seu personagem que transporta para o público, sem que o torne piegas ou caricato. Melissa Leo exibe a performance mais sutil e poderosa de sua carreira, notavelmente superior a “Rio Congelado” (pela qual foi indicada ao Oscar em 2008) e a “O Vencedor” (que lhe rendeu a estatueta de melhor atriz coadjuvante neste ano).


O mais interessante é que, ao lado de dois grandes nomes como James e Melissa, Kirsten Stewart não faz feio. Pelo contrário: sua entrega à vulgaridade, ao desespero e a negatividade de sua personagem é tamanha que sua interpretação não pode ser considerada nada menos que espetacular – mas convém dizer que isso não é surpreendente. A garota já provou que é muito mais que aquilo que os fãs da melosa saga vampiresca conhecem – quem a viu em “The Runaways – Garotas do Rock” (2010) sabe o porquê.

Com “Corações Perdidos”, Kristen deixa claro que as duas partes de “Amanhecer” serão seus últimos obstáculos rumo ao reconhecimento de seu real talento. Mallory é não só a alma, como também o corpo e a mente do filme com sua personalidade atrevida, impetuosa e ao mesmo tempo frágil – performance que rendeu à atriz um prêmio no Festival de Milão.


Jake Scott promove uma conexão intensa entre personagens e plateia ao capturar o melhor de seu elenco sem lançar mão de exageros em sua câmera ou ampliar reações e sentimentos de seus protagonistas – o que há de pior em seus personagens revela o que há de melhor em seus atores.

Como filho de um dos cineastas mais reconhecidos mundo afora, seria fácil cobrar de Jake um menor tempo para impor-se em Hollywood e usar seu sobrenome apenas como mera observação na comprovação do seu talento (como fez Sofia Coppola). Prestes a completar 50 anos de idade, ele parece não se importar com a demora em “acontecer” e essa discrição reflete-se em seu trabalho. “Corações Perdidos” é um drama sensível e realista que, mesmo construído sobre um argumento relativamente convencional, consegue se estruturar e manter-se interessante graças a uma notável direção de atores e uma evidente fuga das armadilhas do melodrama.

Corações Perdidos:


fonte:pipocamoderna

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